Faróis no Caos – crônica de Clarice Villac

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Joaquim Villac e Clarice. Fonte Simão, Campos do Jordão, SP, década de 1960.

Faróis no Caos*

                                                                                                Clarice Villac

 “… Não fica no chão…
Reconhece a queda, e não desanima
Levanta, sacode a poeira
E dá a volta por cima!”
[1]

“Para que chorar o que passou
Lamentar perdidas ilusões
Se o ideal que sempre nos acalentou
Renascerá em outros corações!…”
[2]

“Vestiu uma camisa listrada
E saiu por aí…”
[3]

Que a vida nos reserva um caleidoscópio de experiências e emoções, é um sentimento que constatamos ainda na primeira infância, mesmo que não seja consciente.

Por vezes, a intensidade é tamanha, que recorremos, quase sem perceber, a nossos Faróis.

São feitos de matéria impalpável, flashes de momentos que nos iluminam com o calor de um amor feito de sinceridade, delicadeza, empatia, criatividade. Ficam bem guardados em nosso íntimo, reservatórios de força imensurável.

Como as tardes em que meu pai dizia para eu ir pegar um brinquedo que era um estojo de madeira, com tampas pintadas para jogar damas de um lado, e trilha do outro, e dentro havia várias repartições com as peças brancas e pretas de damas, as coloridas para a trilha, dadinho, as varetas para o pega-varetas, baralho de animais para jogar mico… E me ensinava os truques, incentivava e vibrava com os lances dos jogos… Usávamos grãos de feijão como fichas e a diversão era garantida.

Houve um semestre em que na aula de Ciências foi pedido para as crianças que observássemos a germinação de um grão de feijão, num pote de vidro, com algodão umedecido, e anotássemos num diário o que ia acontecendo. Fiquei encantada com a experiência, e a multipliquei com as sementes mais variadas que pude encontrar, alpiste, painço, abacate, azeitona, era uma grande quantidade de potes de vidro que eu observava e cuidava… Mas chegaram as férias de julho, e íamos passar o mês todo longe, fiquei muito aflita… Até que meu pai chegou em casa com uma bela caixa de papelão e me ajudou a arrumar todos os vidros, tomando cuidado com as folhinhas já se desenvolvendo… E ao chegar no nosso destino, acomodamos todos no parapeito de uma janela, um lugar seguro e adequado para que a experiência continuasse bem-sucedida…

Acredito que isso, vivências amorosas como essas formem um potencial dentro da gente, que nos fortalece e protege nas ocasiões em que os desafios da vida parecem quase intransponíveis.

Ainda, tive a sorte de meu pai gostar de assobiar e cantar sambas, boleros, tangos, com graça e intensidade…

Pela vida afora, quando está tudo muito confuso, nebuloso, tempestuoso, essas canções surgem na minha cabeça, me ajudam a prosseguir, são meus Faróis no Caos…

______________

* Este texto foi criado a partir de um desafio do grupo Literário Literarts: criar um texto cujo título seja de um livro. O livro que me inspirou é: Faróis no Caos, Entrevistas de Ademir Assunção. São Paulo: Edições Sesc, 2012. Escrito em 09.03.2024.

[1] Volta por Cima, composição de Paulo Vanzolini, cantada por Noite Ilustrada.

[2] Luzes da Ribalta, versão de Braguinha, vulgo João de Barro, para Limelight de Charles Chaplin.

[3] Camisa Listrada, Assis Valente.

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4 respostas para Faróis no Caos – crônica de Clarice Villac

  1. sanfrezza disse:

    Tentei deixar este comentário lá no blog, mas não deu certo:

    Maravilha, Clarice, beleza iluminada pela pureza da simplicidade. Parabéns!

  2. Carmen Yoshie disse:

    Clamiga, parabéns por esse dom ☀️🌞☀️. Faróis.     13/03/2024     

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